Concessão de aeroportos desprestigia empresas nacionais

Por Patricia Pessoa Valente

O processo de participação na audiência pública 5/2013, promovida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), com o envio de sugestões às minutas de edital e contrato de concessão referentes à licitação dos aeroportos Tom Jobim e de Confins, terminou no fim de junho.

Nem todos os elementos da licitação podem ser tidos como novidade. O modelo das novas concessões foi sinalizado pela Resolução 2/2013, do Conselho Nacional de desestatização, publicada em janeiro deste ano. Nessa resolução, foi indicado que um dos requisitos de participação no leilão seria a participação societária do operador equivalente a, no mínimo, 25% do consórcio licitante. O operador aeroportuário deveria comprovar experiência prévia no processamento mínimo de 35 milhões de passageiros em um único aeroporto, em um dos últimos cinco anos.

A minuta de edital replicou as condições de participação, duvidosas do ponto de vista jurídico por serem excessivamente restritivas, e introduziu outras que chamam a atenção para a forma como o governo pretende regular o mercado de infraestrutura aeroportuária.

Trata-se da proibição à participação, na futura licitação, dos acionistas de toda e qualquer concessionária de aeroportos nacionais. A decisão atinge indiscriminadamente todas as concessionárias, sem preocupação de se demonstrar quais seriam os prejuízos concorrenciais dessas participações cruzadas.

A Anac não pode desconsiderar o fato de que há concessionárias de aeroportos pequenos, concedidos pelos Estados que são proprietários dos aeroportos ou os administram por meio de convênios de delegação celebrados com a União. São os casos dos aeroportos de Cabo Frio e Porto Seguro, ambos administrados por concessionárias privadas, impedidas de participar da licitação. Além disso, há as concessionárias de aeroportos maiores, grupos vencedores dos dois leilões realizados em 2011, São Gonçalo do Amarante (RN) e 2012, Guarulhos, Brasília e Viracopos.

A proibição exige ao menos duas explicações que a Anac não se preocupou em oferecer à sociedade — e não por falta de provocações. A primeira e mais importante é a ausência de estudos que justifiquem tecnicamente a proibição. Além das minutas do edital e do contrato de concessão, foram apresentados “Estudo(s) de Mercado” que supostamente contribuiriam para a proibição. Todavia, nem no capítulo sobre a concorrência de Confins e Galeão com outros aeroportos foram apresentados elementos que pudessem justificar tal proibição. Há só referência a aeroportos administrados pela Infraero e a concessionária de Guarulhos. Ainda assim, a mera concorrência potencial entre os aeroportos de Galeão e Guarulhos, sem demonstração econômica adequada, não justificaria a proibição da participação de seus acionistas.

A própria Anac na consulta pública para o leilão 2/2011 demonstrou a importância de haver estudos técnicos que justifiquem qualquer restrição à participação em licitação. Na resposta a um pedido de esclarecimento que sugeria a proibição dos acionistas da concessionária do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) na licitação, a agência afirmou: “os estudos e discussões que levaram às diretrizes das presentes concessões não identificaram probabilidade de concentração ou abuso de poder econômico relacionando o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante aos três aeroportos em questão (…).” Esperava-se que o mesmo rigor – análise econômica a fim de se verificar eventuais danos à ordem econômica – fosse observado na licitação para Confins e Galeão.

Essa demonstração de efetiva, ou até mesmo potencial, competição não foi feita até então. Paralelamente, estudos econômicos e jurídicos foram apresentados pelas principais concessionárias nacionais sustentando a ampliação da competição na futura licitação. Uma resposta da Anac é necessária, sob pena de desmoralizar a audiência pública e o tratamento isonômico dos participantes da futura licitação.

Outro fator importante é que a proibição só vale para os cinco primeiros anos do contrato.

Ou seja, depois da licitação, os atuais concessionários estariam autorizados a ingressar nas concessionárias de Confins e Galeão. Porém, o que mudaria do ponto de vista concorrencial e regulatório após os cinco primeiros anos de contrato? Além disso, se a proposta da Anac é a de permitir uma regulação por comparação, promovendo a competição entre aeroportos, em que impacta o fato de que as concessionárias não poderão ter os mesmos acionistas se após cinco anos a participação cruzada é permitida? A comparação deixaria de ser possível após os cinco anos iniciais?

A segunda explicação é quanto ao fato de que os acionistas da concessionária de São Gonçalo do Amarante (RN) serem os mesmos acionistas do Acionista Privado da concessionária do Aeroporto de Brasília. Ora, se a participação cruzada foi admitida em outras concessões, por que não permitir para Confins e Galeão? Eventuais abusos comportamentais não poderiam ser evitados por meio de regulação da própria Anac e pelas autoridades de defesa da concorrência?

Esse cenário mostra que a regulação para o mercado de infraestrutura aeroportuária prejudica o empresariado nacional e não propicia condições para a criação de um mercado interno robusto. O volume de movimentação de passageiros exigido do operador é atendido apenas por algumas empresas estrangeiras, na grande maioria estatais. Isso nos leva a refletir: por que um modelo de desestatização, que retira a empresa estatal brasileira, prejudica os atuais operadores aeroportuários nacionais privados e privilegia estatais estrangeiras? Enquanto as estrangeiras têm uma reserva de mercado no setor concedida pelo edital, as nacionais já atuantes estão limitadas a um aeroporto (ou a mais de um se as concessões foram obtidas antes dessa regra), pelo menos nos cinco primeiros anos das respectivas concessões.

O efeito já sentido no mercado é que, ainda que essa regra não vigore no edital, sua simples previsão nessa fase de audiência pública tem afastado possíveis parceiros de negociações com acionistas das atuais concessionárias. Numa licitação desse vulto, as tratativas vão além do mínimo legal de meros 45 dias e a restrição à competição na licitação já se configurou.

Patricia Pessoa Valente é advogada, especialista em direito regulatório do Sampaio Ferraz Advogados.

FONTE: Revista Consultor Jurídico

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