Polo em Campinas aproxima mão de obra qualificada e indústria

“Aqui é um lugar que respira tecnologia”. É assim que o empresário Bruno Abreu define o Polo Tecnológico de Campinas, no interior paulista. Há 10 anos, junto com o sócio, ele fundou na região – que é conhecida com o Vale do Silício brasileiro – a Sofist, empresa especializada em redução e prevenção de problemas em produtos digitais. O negócio cresceu quase 60% em faturamento no último ano e para 2018 a estimativa é nova alta de pelo menos 55%.

Polos tecnológicos reúnem fatores – como disponibilização de logística, universidades de ponta, mão de obra qualificada e incentivos fiscais – que contribuem para um cenário diferente do restante do país: sobram vagas de emprego.

 

No início de agosto, o empresário ainda tinha pelo menos dez vagas para preencher. A Sofist emprega atualmente 40 funcionários.

 

Estudo desenvolvido pela Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) em 2015, a partir de dados de órgãos federais, mostra que as empresas do setor em Campinas tiveram faturamento médio de R$ 9,1 milhões, empregando cerca de 18 mil pessoas. De acordo com a prefeitura, a cidade de 1,1 milhão de habitantes tem cerca de 50 mil empresas, sendo o terceiro parque industrial do país.

 

Segundo o levantamento da Acate, a região é líder em volume de recursos em relação aos demais polos, ficando a frente do Rio de Janeiro (R$ 6,4 milhões), Florianópolis (R$ 5,2 milhões) e São Paulo (R$ 4,9 milhões). Considerando as vagas geradas no polo tecnológico, por densidade populacional (a cada cem mil habitantes), Campinas (1.678 por 100 mil) fica atrás dos polos de Florianópolis (2.891), Manaus (2.041) e Blumenau (1.816).

 

O cenário de ofertas de vagas e de crescimento é similar ao da Sensedia, empresa de tecnologia também instalada na região. São mais de 30 oportunidades de trabalho disponíveis na empresa. “Estamos com muitas vagas abertas não só porque a competição [de recrutamento] aumentou, mas porque a gente cresceu muito este ano. Começamos o ano com 120 pessoas, a gente está com 170 e vai fechar o ano com 200”, explicou Luiz Piovesana gerente de marketing da Sensedia. No final de 2013, a empresa, que tem 10 anos de mercado, faturava cerca de R$ 4 milhões, hoje são R$ 40 milhões.

 

Oportunidades em tecnologia fizeram com que a desenvolvedora Ana Paula Simiqueli, 24 anos, do Espírito Santo, não ficasse um mês sequer aguardando uma vaga depois de formada. “Um professor de lá me indicou, passei pelo processo seletivo e vim para cá [Sensedia]. A gente ouvia sobre Campinas desde a faculdade: a metrópole da roça”, relatou. Ela aponta que, além do bom salário, estar na cidade permite outros aprendizados. “Você tem várias comunidades, não só as empresas, então tem um networking muito bom”, destacou. Ana Paula aponta que o assédio de recrutamento de outras empresas é comum no setor, mas que ela não deixaria a cidade por enquanto.

 

INTEGRAÇÃO – Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que experiências como esta de Campinas têm possibilitado a integração entre indústria e as inovações da pesquisa acadêmica, assim como a aproximação entre mão de obra qualificada e oportunidades no mercado de trabalho.

 

Newton Frateschi, professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor da Inova, agência de inovação da universidade, acredita que a semente dessa aproximação entre setor produtivo e academia foi plantada na década de 1970 com as empresas estatais. “Houve uma parceria muito forte com estatais, Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], com a antiga Telebras”, exemplificou. Desde esta época, instalaram-se na região empresas de fabricação de componentes de telecomunicações, equipamentos e fibra ótica.

 

Mas ele destaca que foi no início dos anos 2000, com o aumento dos aportes financeiros à universidade, que essas iniciativas cresceram. A Inova Unicamp, por exemplo, foi criada em 2003. “Você consegue colocar juntos, professores, alunos, pesquisador, funcionário, com empresas grandes, empresas incubadas, com empresas pequenas iniciantes. Essa é uma
sopa perfeita para fomentar o empreendedorismo”, avaliou.

 

Frateschi aponta que as chamadas empresas “filhas da Unicamp”, que ou foram incubadas na universidade ou que estão ligadas a ex-alunos, são cerca de 500 e tiveram faturamento em torno de R$ 3 bilhões em 2017. É o caso da Sensedia e da Sofist. A Unicamp lidera o ranking da revista britânica Times Higher Education (The) como a melhor da América Latina.

 

A Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), órgão municipal, destaca ainda a presença de outras universidades, como a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, Mackenzie, Faculdades de Campinas (Facamp) e Universidade Paulista (Unip), que tornam a região um polo de produção científica do Brasil e da América Latina. A prefeitura de Campinas mantém incentivos fiscais para empresas de base tecnológica, como redução na alíquota do Imposto Sobre Serviço (ISS) para até 2%.

 

Guto Ferreira, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), avalia que ainda é um desafio integrar produção acadêmica e indústria, mas que os polos representam um avanço. “Não é uma discussão nova, mas se intensificou bastante. A possibilidade de sucesso dos polos tecnológicos está atrelado ao fato de que isso [produção científica] tem que virar produto”, apontou.

 

O gerente de marketing da Sensendia considera que a aproximação com a universidade, a integração de empresas do setor, a localização de Campinas entre as rodovias Anhanguera e Bandeirantes, que concentram muitas empresas, foram uma “panela de pressão” que promove desenvolvimento. A Sensedia, por exemplo, surgiu como um desdobramento da empresa CI&T, além disso está localizada em um condomínio, o Pólis de Tecnologia, que agrega outras empresas do setor. “Apesar de competir, tem várias ações que uma das empresas encabeça, mas acaba trazendo oportunidades para as outras também”, apontou, valorizando a troca de experiências.

 

GERAÇÃO DE EMPREGOS – O cenário de geração de empregos nos polos tecnológicos contrasta com a realidade nacional. A taxa de desemprego no Brasil ficou em 12,1% de junho a agosto deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O contingente de desempregados, isto é, pessoas que procuram emprego e não conseguem, chegou a 12,7 milhões.

 

De janeiro a agosto, houve acréscimo de aproximadamente 568 mil vagas com carteira assinada no país, segundo o Cadastro de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, divulgado em setembro.

 

Claudio Dedecca, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, destaca que as iniciativas dos polos tecnológicos são importantes do ponto de vista regional, mas a geração de empregos depende estreitamente da reativação da economia. “Se nós pegarmos os dados do Ministério do Trabalho, nós vamos perceber que a queda da geração de emprego foi generalizada em todo o país, em todas as regiões e que não houve região que conseguiu se defender, defender seus empregos durante a recessão”, apontou.

 

Para o economista, municípios devem estar atentos às “brechas” de crescimento econômico e estimular a geração de empregos em setores que tenham potencialmente localmente. “É o caso por exemplo da região metropolitana de Campinas, que tem setores de logística, setores da própria Ciência e Tecnologia que têm potencial muito substantivo em termos de geração de emprego para a região, então é fundamental que o Poder Público, por exemplo, promova cursos de capacitação, interligação de mão de obra, entre outras iniciativas”, apontou.

 

O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, também avalia que a principal estratégia para a criação de empregos é a retomada do crescimento econômico. “Essa política precisa estar fortemente assentada numa capacidade do Estado conduzir esse processo, principalmente por meio de investimentos”, apontou. Para tanto, ele avalia que é preciso criar capacidade fiscal e que é papel do Estado “mobilizar a iniciativa privada para, combinada com o recurso público, produzir uma estratégia de retomada de investimentos”.

 

Sobre a criação de polos tecnológicos, ele aposta em investimentos educacionais como forma de desenvolver em cada território competência que agreguem tecnologia e inovação em contextos específicos. “Combinada com aporte de recursos, com crédito, com institucionalidade que favorece a relação entre os centros de pesquisa e as empresas que estão associados a vocações locais”, enumerou o diretor do Dieese. “Muitas vezes, tudo isso fortalece a capacidade de se desenvolver o sistema produtivo local e muitas vezes na região, ou mesmo em um território muito mais amplo, isso tem consequências positivas sobre o mercado de trabalho, sem dúvida”, apontou.

 

Fonte: Istoé Dinheiro