A Transformação das Aduanas Globais: a Tecnologia como Pilar da Sustentabilidade, Inclusão e Modernização
Por Nelson Brens, Presidente da ASAPRA – Asociación
Internacional de Agentes Profesionales de Aduanas
No cenário contemporâneo do comércio internacional, os despachantes aduaneiros desempenham um papel fundamental na facilitação do fluxo seguro e eficiente de mercadorias através das fronteiras. Esses profissionais asseguram a conformidade regulatória, garantindo que o comércio global funcione de maneira organizada e previsível. À medida que o comércio internacional se torna cada vez mais digital e interconectado, surge a necessidade premente de modernizar as operações aduaneiras, e a tecnologia emerge como o principal motor dessa transformação.
Como Presidente da ASAPRA (Asociación Internacional de Agentes Profesionales de Aduanas), tenho observado de perto como as administrações aduaneiras ao redor do mundo estão se adaptando, com diferentes níveis de êxito, às novas realidades tecnológicas que marcam o século XXI. Estamos vivendo uma era em que a tecnologia não é apenas uma ferramenta, mas uma força motriz que redefine a eficiência, a transparência e a sustentabilidade das operações aduaneiras.
Os despachantes aduaneiros, reconhecidos pelo Acordo sobre Facilitação do Comércio (AFC) da Organização Mundial do Comércio (OMC), não são apenas intermediários no comércio, mas também agentes de mudança que podem influenciar e acelerar a adoção de inovações tecnológicas. Para que as aduanas mantenham sua relevância e eficácia no cenário global, é essencial que esses profissionais estejam atentos às novas tendências tecnológicas e prontos para colaborar com as administrações na modernização dos processos aduaneiros.
Big Data e Análise de Dados – O Big Data é uma das tecnologias mais promissoras para transformar as operações aduaneiras. Permite a análise de grandes volumes de dados, otimizando processos críticos como auditorias, fiscalização e previsão de riscos. No entanto, a adoção dessa tecnologia ainda é desigual em todo o mundo. De acordo com o relatório da Organização Mundial das Aduanas (OMA), enquanto 33% das administrações na Ásia/Pacífico e 31% na Europa já implementaram o Big Data, nas Américas e Caribe a taxa de adoção ainda é de apenas 24%.
Essa disparidade na adoção tecnológica é preocupante, especialmente considerando o potencial impacto do Big Data nas operações aduaneiras. Estudos sugerem que o uso efetivo do Big Data pode aumentar a eficiência das auditorias em até 35%, enquanto a capacidade de prever e mitigar riscos pode ser ampliada em 40%. Essas melhorias representam uma transformação fundamental na forma como as aduanas operam, reduzindo ineficiências e aprimorando a conformidade regulatória.
A ASAPRA monitora ativamente os avanços na adoção do Big Data por parte das administrações aduaneiras e incentiva o diálogo contínuo sobre como essa tecnologia pode ser mais bem aproveitada. No entanto, a adoção do Big Data não depende apenas da disponibilidade da tecnologia, mas também de uma mudança cultural dentro das administrações aduaneiras. A capacidade de usar dados para tomar decisões informadas e preditivas exige uma mentalidade aberta à inovação e adaptação, um desafio que ainda persiste em muitas regiões, especialmente nas Américas e Caribe.
Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina – Enquanto o Big Data permite a coleta e análise de grandes volumes de informação, a Inteligência Artificial (IA) e o Aprendizado de Máquina (ML) oferecem a possibilidade de automatizar processos e fornecer previsões baseadas em padrões complexos de dados. Essas tecnologias têm o potencial de revolucionar as operações aduaneiras, desde a automação de processos rotineiros até a análise preditiva que pode antecipar riscos e fraudes com precisão sem precedentes.
Apesar de seu potencial, a adoção de IA e ML nas aduanas ainda é limitada. A região do Leste e Sul da África (ESA) lidera a adoção de IA, com 29% das administrações já integrando essas tecnologias, seguida pela Europa (28%) e Ásia/Pacífico (29%). Em contraste, apenas 19% das administrações nas Américas e Caribe implementaram IA, refletindo desafios significativos na integração de sistemas legados com novas tecnologias.
A baixa adoção de IA nas Américas e Caribe não é apenas um problema tecnológico, mas também uma questão de competitividade global. Em um mundo cada vez mais automatizado, as administrações que não adotarem rapidamente a IA correm o risco de se tornarem irrelevantes. Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que a implementação de IA nas aduanas pode aumentar a precisão das operações em até 45%, além de reduzir o tempo de processamento de mercadorias em até 30%.
A ASAPRA acompanha de perto a implementação dessas tecnologias em diversas regiões, promovendo o intercâmbio de melhores práticas e incentivando as administrações a explorarem as possibilidades oferecidas pela IA e ML. Contudo, é evidente que os desafios de infraestrutura e treinamento de pessoal precisam ser superados para que essas tecnologias possam ser plenamente integradas nas operações aduaneiras.
Blockchain – O Blockchain é frequentemente mencionado como uma solução para os problemas de transparência e segurança nas cadeias de suprimentos. A tecnologia permite a criação de registros imutáveis que garantem a rastreabilidade das mercadorias desde a origem até o destino, proporcionando maior confiança no processo aduaneiro e reduzindo o risco de contrabando.
No entanto, a adoção global do Blockchain ainda é lenta. Embora 24% das administrações nas Américas e Caribe tenham implementado Blockchain, outras regiões, como Ásia/Pacífico e Europa, apresentam taxas de adoção de 18% e 17%, respectivamente. Apesar das claras vantagens, como a redução de até 25% nas atividades de contrabando e o aumento de 30% na transparência das operações, muitos desafios persistem.
A implementação do Blockchain nas aduanas enfrenta obstáculos consideráveis, incluindo a falta de padrões internacionais harmonizados e a necessidade de investimentos substanciais em infraestrutura. A ASAPRA observa essas tendências e incentiva discussões sobre como superar as barreiras para a adoção do Blockchain, reconhecendo que o avanço dessa tecnologia depende de uma coordenação global mais ampla e de esforços conjuntos para estabelecer diretrizes que possam ser aplicadas de maneira consistente em diferentes regiões.
Portais Únicos e a Necessidade de Colaboração Tecnológica – O Portal Único é um exemplo de como a tecnologia pode simplificar e acelerar os processos aduaneiros, centralizando todas as informações e documentos necessários para a liberação de mercadorias em um único ponto de entrada. Isso resulta em uma redução de 25% nos tempos de processamento e de 20% nos custos administrativos. Países como Brasil e México que implementaram o Portal Único relataram aumentos significativos na eficiência e transparência das operações.
Apesar do sucesso em alguns países, a implementação do Portal Único ainda enfrenta desafios significativos em regiões com infraestrutura digital limitada. A ASAPRA monitora essas implementações e promove o intercâmbio de melhores práticas entre as administrações aduaneiras, incentivando uma colaboração regional que possa superar os obstáculos à adoção dessa tecnologia.
A efetividade do Portal Único depende da integração eficiente com outras agências governamentais e do apoio técnico para garantir que todas as partes envolvidas possam operar de maneira harmoniosa dentro do sistema. Sem uma cooperação internacional mais sólida e um suporte técnico adequado, muitas dessas iniciativas correm o risco de não alcançar todo o seu potencial.
Sustentabilidade e Inclusão: A Tecnologia como Ferramenta de Transformação – A transição para Aduanas Verdes e a inclusão de mulheres e jovens no setor aduaneiro são objetivos fundamentais para a construção de um futuro mais sustentável e inclusivo. A adoção de tecnologias avançadas desempenha um papel vital na realização desses objetivos.
O uso de Big Data e Blockchain pode garantir a conformidade ambiental ao longo de toda a cadeia de suprimentos, monitorando o impacto ambiental das operações e assegurando que as práticas comerciais respeitem os padrões ecológicos. Segundo a OCDE, a implementação dessas tecnologias pode reduzir as emissões de carbono nas operações aduaneiras em até 20%.
Desafios e Oportunidades Futuras – A modernização das aduanas por meio da tecnologia oferece imensas oportunidades, mas enfrenta desafios consideráveis. A resistência à mudança, a falta de infraestrutura tecnológica e questões de soberania são obstáculos significativos que devem ser superados para que as administrações aduaneiras possam aproveitar plenamente as inovações tecnológicas.
Esses desafios, embora expressivos, não são intransponíveis. As administrações aduaneiras que adotarem uma abordagem proativa em relação à modernização tecnológica, trabalhando em parceria com o setor privado e organismos internacionais, têm uma oportunidade única de se posicionarem como líderes no comércio global.
Reflexões Finais – Estamos em um momento decisivo. A tecnologia tem o poder de transformar as aduanas em instituições mais eficientes, transparentes e justas. No entanto, para que isso ocorra, é necessário um compromisso coletivo com a inovação, tanto por parte das administrações aduaneiras quanto dos líderes globais. A ASAPRA permanece atenta a essas mudanças e monitora ativamente os avanços tecnológicos, reconhecendo seu impacto potencial nas operações aduaneiras e no comércio internacional.
Bibliografia
- Organização Mundial de Aduanas. “Results of the WCO Smart Customs Survey,” julho de 2024.
- Organização Mundial do Comércio (OMC). “Trade Facilitation Agreement,” 2020.
- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Digitalisation in Customs and Trade Facilitation,” 2023.
- Banco Mundial. “Single Window Systems: What Lessons Can We Learn?” 2022.
- Fórum Econômico Mundial. “The Future of Customs in the Digital Economy,” 2023.
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- Harvard Business Review. “Ethical Implications of AI and Big Data in Business and Government Operations,” 2023.
- UNCTAD. “Digitalization in Customs and Trade Facilitation: The Role of Single Windows,” 2023.
- Organização Mundial das Aduanas. “Advancing Gender Equality in Customs: Strategies and Best Practices,” 2022.
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