Indústria alemã prevê novo ciclo de investimento no Brasil
As empresas alemãs no Brasil iniciam novo ciclo de investimentos no país, estimando que a partir de agora nada mais deve atrapalhar a recuperação econômica da maior economia da América Latina. É o que diz o presidente da Comissão para América Latina da Industria Alemã (LADW), Andreas Renschler, membro do “board” mundial do grupo Volkswagen e presidente-executivo global da holding Volkswagen Truck & Bus, em entrevista ao Valor.
Um dos maiores centros industriais do mundo e líder na Europa, a Alemanha busca aprofundar algumas parcerias, no rastro das ameaças protecionistas de Trump, e o Brasil é visto como um dos mercados de maior interesse pela indústria alemã.
Há 1.300 empresas alemãs no Brasil, responsáveis por mais de 250 mil postos de trabalho e com investimentos de mais de US$ 25 bilhões no país. Durante a pior recessão dos últimos tempos no Brasil, negócios das empresas alemães sofreram queda de dois dígitos. ”Isso faz com que elas sintam a recessão dos últimos anos de maneira bastante intensa”, afirmou Renschler, que é a voz da indústria alemã para a América Latina.
“Atualmente ainda estamos diante do grande desafio de manter nossas empresas no caminho do crescimento, mas fazemos isso com plena convicção, uma vez que queremos ver ainda mais engajamento de empresas alemãs no Brasil”, afirma o executivo.
Ele insistiu que “desistir do Brasil nunca foi uma opção para a indústria alemã”. Vê uma situação mais estável do que há seis meses, mesmo se está consciente de que a recuperação da economia brasileira “não pode acontecer do dia para a noite”. Sobretudo, existe o sentimento de que o “pior já passou”, o que ajuda a explicar por que um novo ciclo de investimentos alemães no Brasil “não é mais apenas uma visão, e sim uma realidade”.
Renschler exemplificou que vários novos projetos foram tornados públicos nos últimos meses e que confirmava essa tendência por experiência própria: “A Volkswagen Caminhões e Ônibus, marca do grupo Volkswagen Truck & Bus, anunciou o maior pacote de investimentos da história da empresa, no qual investirá aproximadamente R$ 1,5 bilhão no Brasil nos próximos cinco anos”, disse.
Com as incertezas na Europa e globalmente, o Brasil é visto com essencial pela indústria alemã. “Um em cada quatro empregos na Alemanha está ligado às exportações, e na indústria, é um em cada dois”, afirmou Renschler. “Nós, alemães, não podemos abrir mão de parceiros comerciais fortes e confiáveis no mercado mundial, e a posição do Brasil nesta lista é alta.”
A chanceler Angela Merkel convidou o presidente Temer a visitar a Alemanha ainda neste primeiro semestre. Para a indústria alemã, Temer poderia mostrar na Alemanha “seu empenho para a continuidade das reformas estruturais”, o tipo da mensagem que considera que poderia ajudar a aumentar a confiança no país.
Na visão da indústria alemã, a conclusão do acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul também pode dar uma dimensão completamente nova nas relações bilaterais Brasil-Alemanha. Renschler nota uma nova dinâmica nas negociações, “exatamente o que estava faltando nos últimos anos”. Por isso, acha viável a conclusão do acordo em um futuro não muito distante. “O que precisamos é de um bom acesso mútuo aos mercados para bens e serviços e aos contratos públicos.”
Também a investigação da Operação Lava-Jato contra a corrupção no Brasil é vista pela indústria alemã “com bastante esperança”. Renschler avalia que a questão está sendo tratada com a devida prioridade e vê uma nova cultura empresarial surgindo no país, “o que fará bem não somente às empresas alemãs, mas também ao Brasil como um todo”.
A postura positiva alemã em relação ao Brasil contrasta com as tensões com a nova administração nos EUA e a política protecionista projetada por Trump. O executivo nota que os EUA são o parceiro comercial mais importante da Alemanha. Qualquer mudança no rumo da política comercial americana terá consequências para os outros atores globais, incluindo Alemanha e Europa. “Mas não devemos é entrar em pânico”, diz.
O governo Trump exige que as empresas produzam nos EUA. Indagado se haveria risco de algum desvio de produção da América do Sul, e do Brasil, para os EUA, o executivo alemão prefere ver exatamente o que, como e quando será implementado por Washington. “As fábricas instaladas no Brasil, por exemplo, estão onde estão principalmente visando o mercado sul-americano”, observou.
Certos analistas notam que, com a tensão EUA-México, a indústria automobilística mexicana terá dificuldades de vender no mesmo ritmo para os EUA. Por sua vez, os mexicanos provavelmente comprarão menos carros brasileiros. Para o membro do “board” da Volkswagen mundial, se esse cenário realmente ocorrer, haveria inevitavelmente consequências, uma vez que o México é um mercado estratégico para carros produzidos no Brasil. Mas observa que o inverso é igualmente válido, já que o Brasil também importa do México. Para Renschler, independentemente dessa discussão será vantajoso fortalecer continuamente a capacidade exportadora da indústria brasileira e conquistar novos mercados consumidores.
Sobre as perspectivas da economia alemã, ele nota que, após crescimento de 1,7% no ano passado, a expectativa é de expansão por volta de 1,5% em 2017, mas que “não há razão para relaxar”.
O executivo está consciente de pressões internacionais, a começar por Washington, para a Alemanha aumentar a demanda interna e ajudar no reequilíbrio da economia global. Ele argumenta que o gigantesco saldo de contas correntes ocorre principalmente porque a Alemanha exporta muito, mas o país é também o terceiro maior importador do mundo, atrás de EUA e China. As importações representam cerca de 40% do PIB alemão.
Quanto à zona do euro como um todo, as expectativas de crescimento são de 1,5%. Para o executivo, a prioridade é viabilizar uma União Europeia forte e com ampla capacidade de atuação, diante do cenário internacional incerto.
Fonte: Valor Econômico