“Devolver Viracopos foi saída menos traumática”, diz presidente da ABV

Durou pouco mais de 60 minutos a assembleia extraordinária de acionistas do aeroporto de Viracopos (SP) que decidiu, por unanimidade, pela devolução da concessão. Agora, o governo terá 24 meses para “reempacotar” o ativo e ofertá-lo novamente à iniciativa privada. “Foi o cenário menos traumático e desgastante para todos, sobretudo para o usuário”, disse o presidente da concessionária Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), Gustavo Müssnich.

O tempo vinha jogando contra Viracopos. Sancionada em junho, a Lei 13.448 – que regra a destinação de concessões problemáticas – estabelece que, se aberto o processo de caducidade da concessão, uma entrega amigável do ativo não pode mais ocorrer. Com duas parcelas seguidas de atraso no pagamento de outorga, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já trabalhava com o panorama de abrir o processo. A situação ficou ainda mais grave com a crise financeira enfrentada pelos dois principais acionistas privados – Triunfo Participações e Investimentos e UTC, que entraram recentemente com pedidos de recuperação extrajudicial e judicial, respectivamente. A estatal Infraero tem 49% do capital da concessionária.

Ao Valor, Müssnich afirmou que os problemas que desaguaram na inédita decisão pela devolução de um aeroporto derivam do descolamento “chocante” entre as projeções de demanda de passageiros e de cargas versus a movimentação efetiva, esvaziada pela crise macroeconômica. O edital, por sua vez, exigia investimentos vultosos independentemente da demanda descalibrada.

A frustração com os números de passageiros e cargas afetou as receitas. Ao fim do primeiro trimestre, o aeroporto amargava um prejuízo de R$ 71 milhões. Além disso, há uma dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 2,6 bilhões – sendo R$ 2,4 bilhões do empréstimo e o restante, juros. Müssnich afirmou que o aeroporto não está inadimplente. “Hoje temos em contas-reserva R$ 268 milhões, sendo R$ 144 milhões em uma conta outorga e a diferença para o pagamento de juros ou amortização de principal. Temos capacidade de receita para suportar com folga a operação do aeroporto. Mas não conseguimos pagar a outorga e a dívida juntas”.

Os estudos que balizaram o leilão previam cenários de movimentação, em 2016, de 18 milhões de passageiros ou de 15,2 milhões, dependendo das condições econômicas. Mas o que efetivamente se realizou no ano passado foram 9,2 milhões, conforme a Anac. No lado da carga, a projeção era de 409 mil toneladas, mas a movimentação alcançou 166 mil toneladas. Só foram atingidos, portanto 52% e 40%, respectivamente. O risco de demanda dentro do que poderia ser sensato, racional”. Ele afirmou, no entanto, que “erros de mais da metade fogem do que seria razoável. Entra uma questão de teoria da imprevisão”. Os estudos de demanda são de 2011, auge do otimismo com o Brasil. Adveio da demanda superestimada a obrigatoriedade de investimentos, como um novo terminal com 28 novas pontes de embarque.

A concessionária foi multada por não entregar as obras no prazo previsto, em maio de 2014. As pontes estão lá, mas a demanda é atendida, com folga, por 18 “fingers”. Soma-se a isso a mudança no critério de cobrança da tarifa para transporte de cargas, chamada de Teca-Teca. Ainda em 2012, ano em que o aeroporto foi leiloado, houve redu ção de R$ 0,50 para R$ 0,08 por quilo de mercadoria, o que ocasionou perda de receitas em uma atividade prioritária. Viracopos pediu reequilíbrio financeiro de R$ 460 milhões como valor presente do fluxo de caixa marginal dos 30 anos do projeto – a Anac reconheceu menos da metade.

O aeroporto passou de ícone da euforia com o crescimento econômico para símbolo da crise. A concessão previa, para o fim do contrato, até quatro pistas e um movimento superior ao de terminais como Frankfurt ou Chicago. Hoje, tem áreas vazias, dívidas e pontes de embarque totalmente ociosas. As alternativas à devolução eram um pedido de recuperação extrajudicial ou judicial. A relicitação amigável prevê a continuidade da prestação dos serviços até que o processo de relicitação termine. Nesse período, a concessionária continuará à frente do aeroporto.

A Lei 13.448 ainda não foi usada e precisa ser regulamentada para que se defina o rito da devolução. Será assinado um aditivo do qual constarão a suspensão das obrigações de investimentos, o detalhamen dos serviços que deverão continuar sendo prestados, a previsão de pagamento das indenizações devidas à concessionária pelo novo contratado e o pagamento aos financiadores do contrato. Até agora a concessionária diz que investiu pelo menos R$ 3 bilhões.

Mas, nem todo esse valor será ressarcido. O governo espera ter, de seis a oito meses, um cálculo do que já foi e do que não foi amortizado. Depois disso, a ideia do Ministério dos Transportes é leiloar o terminal. “Já temos dois blocos de aeroportos para oferecer ao setor privado e Viracopos pode ser incluído na mesma rodada de concessões, como um aeroporto individual”, disse o secretário nacional de Aviação Civil, Dario Rais Lopes. Ele já pretendia encaminhar ao conselho de Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) uma proposta de dois lotes: um em Mato Grosso (puxado por Cuiabá) e outro no Nordeste (encabeçado por Recife). Para o secretário, a decisão tomada na assembleia foi a melhor saída para governo, concessionária e usuários. “Os passageiros não serão prejudicados. Isso é o mais importante”, ressaltou.

Fonte: Valor Econômico