Lei de SP autoriza cassar inscrição de companhias por estocagem e distribuição irregular ou descaminho
O governo de São Paulo vai cassar a inscrição estadual do estabelecimento que “adquirir, distribuir, transportar, estocar, revender ou expor à venda” bens de consumo fruto de roubo, furto ou descaminho – importar mercadoria sem pagar o imposto correspondente. Na prática, a medida impede o funcionamento dessas empresas. Os sócios das companhias também serão responsabilizados.
A medida, que já está em vigor, foi instituída pela Lei nº 15.315, publicada no Diário Oficial do Estado de sábado. A norma será aplicada em relação a “produtos alimentícios ou quaisquer outros industrializados”.
A lei impõe a pena em relação ao bem que seja proveniente de descaminho, roubo ou furto, “independentemente de ficar ou não caracterizada a receptação”. Receptação, segundo o Código Penal, é adquirir, receber, transportar ou ocultar, em proveito próprio ou de terceiro, bem que se sabe ser produto de crime. Com base nesse dispositivo, o advogado Marcelo Jabour, presidente da Lex Legis Consultoria Tributária, entende que a medida pode ser contestada no Judiciário.
“É possível questionar porque, de acordo com o texto da lei, mesmo que a empresa não saiba que a mercadoria é roubada, ou é fruto de descaminho, terá a inscrição estadual cassada”, afirma o advogado. Jabour diz que nem sempre é possível para o contribuinte identificar ou verificar se uma nota fiscal é fria ou inidônea (com valores e descrições inverídicas).
Além da inscrição estadual, a lei impõe que a empresa perderá o saldo de créditos do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que são usados para abater o imposto a pagar em outras operações. As transportadoras, por exemplo, obtêm créditos na aquisição de pneus, câmaras de pneus, combustíveis e material de limpeza.
Os sócios da empresa envolvida também serão penalizados. De acordo com a nova lei, eles não poderão mais exercer a mesma atividade econômica no Estado e terão que pagar multa de valor equivalente ao dobro do valor dos produtos fruto de roubo, furto ou descaminho ao Fisco.
Para a advogada Adriana Stamato, sócia da área tributária do escritório Trench, Rossi & Watanabe, a medida é agressiva. “A lei não fala se é preciso aguardar a condenação penal para a aplicação da cassação, nem sobre a possibilidade de a empresa contestar a medida. Da forma como está, a cassação é imediata”, afirma.
Adriana pondera que é preciso aguardar a regulamentação da norma. “A medida pode ser positiva para o mercado em relação a empresas que deixarem de operar porque são ilegais”, diz. Mas ela questiona como ficará comprovado que o produto é fruto de roubo, e se o contribuinte de boa-fé que comprar bem de terceiro que cometeu o crime também será penalizado, e ainda, caso a empresa perca os créditos de ICMS, se será autuada. “A multa por crédito indevido chega a 100% do valor do crédito”, afirma.
Segundo o advogado especialista em direito penal André Kehdi, do André Kehdi & Renato Vieira Advogados, a lei determina que a receptação não precisa ser comprovada para a aplicação da cassação da inscrição estadual. “O grave disso é que a empresa poderá fechar as portas e, depois, na esfera penal, ser provado que o crime não ocorreu.” Kehdi afirma ainda que a jurisprudência é favorável ao Fisco por determinar que, no caso de crime de receptação, não se exige sentença penal condenatória para a imposição de multa administrativa. Além disso, ele lembra que também existe no Código Penal a receptação qualificada. “Nesse caso, a empresa deveria saber que a mercadoria é fruto de roubo, furto ou descaminho”, diz.
O governo paulista já havia instituído por lei a pena de cassação da inscrição estadual a pelo menos dois grupos específicos de empresas: os postos de combustíveis que comercializam mercadoria ilegal e as empresas que exploram o trabalho análogo ao da escravidão. Segundo dados da Fazenda, já foram cassadas as inscrições estaduais de 1.070 postos de combustíveis paulistas desde 2005.
Em geral, o Fisco suspende a inscrição estadual de empresas com irregularidade fiscal reiterada até a regularização da situação. Porém, desde dezembro, passou a exigir garantia para conceder, alterar ou renovar inscrição estadual, no caso de empresas ou sócios inadimplentes, ou atividades com elevado risco de não cumprimento das obrigações tributárias.
Fonte: Valor Econômico
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