A Revolução Silenciosa nas Aduanas: OMA, Inteligência de Fontes Abertas, IA Regulada e o Futuro do Comércio Global

Por Marcelo de Castro e Rodrigo Furlan de Assis

Setembro 2024 – Imagina um cenário onde as fronteiras físicas já não são suficientes para conter o imenso volume de dados que circula em tempo real, determinando o sucesso ou fracasso de transações a milhares de quilômetros de distância. A Inteligência de Fontes Abertas (OSINT) não é apenas uma ferramenta tecnológica, mas uma extensão das próprias fronteiras, uma lente que transcende as limitações geográficas e coloca o foco no invisível, no digital. Esse conceito, profundamente explorado no estudo da Organização Mundial de Aduanas (OMA), revela o poder transformador da OSINT. Trata-se de uma revolução que vai além das práticas tradicionais de controle aduaneiro. As aduanas, historicamente focadas em verificações físicas e documentais, agora entram em um universo de dados abertos extraídos de redes sociais, sites de comércio eletrônico e até dispositivos conectados. Esse novo arsenal de informações oferece uma visão que, até poucos anos atrás, parecia saída da ficção científica. O Estudo da OMA: Reimaginando as aduanas. O relatório da OMA, que serve como base para essa transformação, explora como a OSINT pode ser usada para rastrear fraudes e identificar esquemas de contrabando, atuando como uma força invisível que permeia as transações globais. Em situações de fronteiras frágeis, a coleta de dados públicos permite que as aduanas interceptem atividades ilícitas antes mesmo que as mercadorias cheguem aos pontos de inspeção. É como se, de repente, as aduanas estivessem presentes em cada canto do comércio global, mesmo estando fisicamente longe. Este estudo exemplifica o potencial da OSINT ao rastrear, por exemplo, movimentos suspeitos em redes sociais ou fóruns onde criminosos discutem estratégias para driblar as leis aduaneiras. Usando ferramentas como Google Hacking e Shodan, as aduanas se antecipam aos eventos, rompendo c om a lógica reativa do passado. O controle torna-se preventivo. O que é OSINT e por que importa? A OSINT pode ser descrita como a capacidade de extrair inteligência de fontes abertas e acessíveis ao público. O que antes era uma avalanche de dados dispersos se transforma, por meio da aplicação de OSINT, em um quadro coerente, onde se podem detectar padrões e identificar anomalias. Imagine um oceano infinito de dados organizados em linhas de ação concretas, permitindo que as aduanas e outros agentes atuem com precisão cirúrgica. Com o uso de técnicas como a web scraping e o poder da inteligência artificial (IA), as aduanas podem ver muito além das fronteiras físicas, e o que antes era impossível de monitorar, agora pode ser rastreado em tempo real. Imagine um fluxo interminável de informações de diferentes fontes sendo coletadas, processadas e interpretadas. A OSINT confere um poder de vigilância sem precedentes. O primeiro passo para a plena utilização da OSINT nas aduanas envolve a construção de uma arquitetura tecnológica capaz de lidar com a imensa quantidade de dados que são extraídos de redes sociais, sites de comércio eletrônico e dispositivos conectados. Essa arquitetura deve incluir sistemas robustos de big data e pipelines que coletam, processam e organizam os dados em tempo real, tornando-os acionáveis para as autoridades aduaneiras. Além disso, a interoperabilidade entre os sistemas aduaneiros de diferentes países é crucial para garantir que as informações possam ser compartilhadas com segurança e eficácia. No entanto, implementar uma infraestrutura de big data que seja suficientemente ágil e capaz de integrar-se com sistemas de diferentes jurisdições pode ser um desafio monumental, especialmente em regiões com infraestrutura tecnológica limitada. Outro aspecto central dessa revolução é a integração da Inteligência Artificial com a OSINT para a análise dos dados coletados. Técnicas de machine learning, tanto supervisionadas quanto não supervisionadas, permitem que as aduanas detectem padrões de comportamento suspeitos e identifiquem fraudes ou contrabando com maior precisão. O uso de algoritmos de reconhecimento de padrões e detecção de anomalias oferece um poder preditivo considerável, antecipando ameaças antes mesmo que elas cheguem às fronteiras físicas. Contudo, a qualidade dos dados disponíveis é uma preocupação constante. Dados de fontes abertas podem ser inconsistentes ou incompletos, o que dificulta o treinamento de modelos de IA eficazes. Assim, a dependência de grandes volumes de dados de alta qualidade torna-se uma barreira significativa para a implementação bem-sucedida dessa tecnologia. Além das questões técnicas, a segurança cibernética e a privacidade de dados surgem como áreas de grande preocupação. O volume de informações digitais manipuladas por aduanas em tempo real exige medidas rigorosas para proteger essas informações contra-ataques cibernéticos e garantir a conformidade com regulamentações internacionais. A coleta e o uso de dados públicos precisam ser cuidadosamente monitorados para evitar a invasão da privacidade de indivíduos e empresas. Equilibrar a segurança com a privacidade é um dos dilemas mais complexos enfrentados pelas administrações aduaneiras, já que o uso de dados sensíveis para fins de vigilância aduaneira pode gerar controvérsias éticas e jurídicas. Implicações profundas: Mais do que tecnologia, uma nova realidade quando falamos de uma aduana além da aduana, referimo-nos a uma superação de paradigmas. O impacto da OSINT vai muito além de uma ferramenta tecnológica; redefine o papel das aduanas e expande suas capacidades de ação para territórios nunca explorados. Para as administrações aduaneiras, essa transformação implica a necessidade de uma reconfiguração profunda: uma nova mentalidade para lidar com volumes imensos de dados e, ao mesmo tempo, uma integração cada vez maior com as fronteiras digitais. Contudo, essa capacidade também traz novos desafios. Se por um lado as aduanas torna-se mais eficientes e seguras, por outro, a dependência de dados gera uma responsabilidade ética sem precedentes. O uso de dados públicos deve estar alinhado com as normativas internacionais de privacidade e proteção de informações. A OSINT é uma ferramenta poderosa, mas seu poder deve ser administrado com cautela. O equilíbrio entre segurança e privacidade é o dilema que se impõe. Nos países em desenvolvimento, esses desafios são ainda mais acentuados. A implementação de tecnologias avançadas, como a OSINT e a IA, muitas vezes enfrenta barreiras como infraestrutura insuficiente, falta de recursos humanos qualificados e orçamentos limitados. A ausência de uma infraestrutura de TI adequada pode impedir que essas nações acompanhem o ritmo das inovações globais, criando uma lacuna tecnológica significativa no setor aduaneiro. Portanto, a adaptação dessas soluções em contextos com restrições de infraestrutura e financiamento é uma tarefa complexa, exigindo um planejamento estratégico cuidadoso. Outra questão crítica na adoção da OSINT é a escalabilidade das soluções. À medida que o volume de transações globais continua a crescer, as aduanas precisam de sistemas escaláveis que possam lidar com quantidades cada vez maiores de dados e novas ameaças. A implementação de soluções que sejam flexíveis o suficiente para se adaptarem a diferentes cenários e jurisdições é essencial. No entanto, manter a relevância dos algoritmos de IA ao longo do tempo, garantindo que eles sejam atualizados com dados atuais e capazes de lidar com novas formas de fraude e contrabando, é um desafio contínuo. Por fim, a capacitação de equipes e a gestão de mudanças são aspectos fundamentais para o sucesso da implementação dessa revolução nas aduanas. A transição dos processos tradicionais de verificação física e documental para o uso de ferramentas tecnológicas avançadas exige um esforço significativo para treinar funcionários e atualizar suas habilidades. O papel do despachante aduaneiro, por exemplo, está mudando drasticamente, exigindo que ele desenvolva competências em análise de dados, cibersegurança e colaboração internacional. No entanto, a resistência à mudança dentro das organizações públicas e a falta de mão de obra qualificada são obstáculos que não podem ser ignorados. O Setor Público: Um Novo Horizonte para as Aduanas A aduana além da aduana reflete uma mudança de paradigma para o setor público. O uso da OSINT oferece às aduanas um grau de controle que, até pouco tempo atrás, era impensável. Imagine aduanas capazes de se antecipar a fraudes antes mesmo que elas ocorram, utilizando dados coletados em redes sociais, fóruns ou até sensores conectados que monitoram o movimento de mercadorias em tempo real. O estudo da OMA destaca a importância da cooperação internacional. A OSINT permite que aduanas de diferentes países colaborem de maneira eficiente, compartilhando informações e adotando medidas conjuntas para combater o crime transnacional. As fronteiras físicas perdem sua rigidez, e as barreiras tornam-se mais fluidas à medida que o comércio global é monitorado em um nível até então inatingível. Além disso, a adoção de tecnologias como a OSINT e a IA demanda investimentos iniciais por parte das instituições públicas. No entanto, esses investimentos se justificam pelo retorno que podem gerar a médio prazo, trazendo mais eficiência e agilidade às operações aduaneiras, além de reduzir o risco de fraudes. Ao integrar essas novas tecnologias, as instituições públicas promoverão um ambiente mais seguro e transparente para o comércio internacional, o que beneficia toda a cadeia de valor. Assim, a implementação da OSINT nas aduanas também depende de uma estreita colaboração internacional. A troca de informações entre diferentes administrações aduaneiras precisa ser eficiente e segura, e isso só será possível por meio da padronização de dados e da criação de interfaces de programação de aplicativos (APIs) que facilitem essa integração. Contudo, a coordenação de esforços entre países com diferentes regulamentações e sistemas de TI é um dos maiores desafios para a globalização das aduanas digitais. Além disso, muitos países ainda utilizam sistemas legados, que não são facilmente compatíveis com as novas tecnologias, exigindo investimentos significativos para modernizar suas infraestruturas. O Setor Privado: Desafios e Oportunidades Por outro lado, para importadores e exportadores, essa nova realidade impõe uma revisão completa de suas práticas. A aduana além da aduana significa que as empresas precisam operar com níveis de transparência nunca exigidos. O controle se estende além dos portos e aduanas; agora monitora a própria comunicação e as interações digitais das empresas, sempre à procura de indícios de irregularidades. As empresas que operam de forma legítima, no entanto, têm muito a ganhar. A OSINT oferece oportunidades para melhorar a gestão de riscos, otimizar as cadeias de suprimentos e garantir que suas operações estejam sempre em conformidade com as regulamentações internacionais. No entanto, com essa nova transparência surge a necessidade de proteção de dados. A gestão da privacidade das informações torna-se um desafio central, exigindo que as empresas invistam em cibersegurança para proteger suas operações contra-ataques ou vazamentos. Para importadores e exportadores, essa nova realidade tecnológica traz a necessidade de uma revisão completa de suas práticas operacionais. A aduana além da aduana impõe níveis de transparência sem precedentes. O controle não se limita mais aos portos e zonas aduaneiras; ele se expande para a monitorização contínua das interações digitais das empresas, desde a comunicação interna até transações em plataformas online, sempre em busca de sinais de irregularidades ou potenciais violações das normas aduaneiras. Isso exige que as empresas se adaptem a um cenário de supervisão digital constante, onde cada movimento pode ser analisado por ferramentas de OSINT. Entretanto, as empresas que operam de forma legítima encontram diversas oportunidades nesse novo contexto. A OSINT oferece meios não apenas para as aduanas, mas também para as empresas, melhorarem sua gestão de riscos. Utilizando essas mesmas ferramentas de monitoramento de dados, as empresas podem identificar ameaças à conformidade com antecedência, prevenindo potenciais problemas regulatórios antes que se transformem em sanções ou multas. Além disso, a otimização das cadeias de suprimentos é uma vantagem significativa. Com a visibilidade ampliada sobre o fluxo global de mercadorias e dados, as empresas podem melhorar o planejamento logístico, reduzir gargalos operacionais e mitigar interrupções no fornecimento. Porém, com essa transparência ampliada, surgem novos desafios críticos, especialmente em torno da proteção de dados. O manuseio de grandes volumes de informações digitais gera uma vulnerabilidade maior a ataques cibernéticos e vazamentos de dados, o que pode impactar negativamente a operação de empresas que não estejam preparadas. A cibersegurança torna-se, então, um pilar central nas operações empresariais modernas. As empresas são obrigadas a investir em soluções avançadas de segurança digital, como criptografia, detecção de intrusões e políticas robustas de gerenciamento de dados, para proteger não apenas as suas operações, mas também as informações confidenciais de seus clientes e parceiros comerciais. Em última análise, as empresas que forem proativas em adaptar suas operações às novas demandas tecnológicas não só terão melhores chances de evitar problemas regulatórios, mas também estarão mais bem posicionadas para aproveitar os benefícios dessa nova realidade digital. A implementação de estratégias de compliance preditivo, que utilizam ferramentas de IA e OSINT para monitorar continuamente os riscos de conformidade, pode transformar a abordagem das empresas em relação à fiscalização aduaneira. Isso pode incluir, por exemplo, a automatização de auditorias internas, o monitoramento de redes sociais para identificar potenciais ameaças à cadeia de suprimentos e o uso de análise de dados para prever padrões de demanda e movimentação de mercadorias. Assim, aqueles que investirem em infraestrutura digital adequada e em capacitação de suas equipes terão uma vantagem significativa em um cenário onde a transparência, a conformidade e a cibersegurança são indispensáveis para o sucesso no comércio internacional. IA: Um Caminho Irreversível A adoção da IA já se consolidou como uma necessidade estratégica para o comércio global, com um impacto q ue vai além da eficiência operacional. A capacidade da IA de analisar grandes volumes de dados em tempo real, identificar padrões de fraude e prever comportamentos de risco a partir de dados abertos a torna essencial para as operações aduaneiras modernas. No entanto, a implementação dessas tecnologias não é isenta de desafios. À medida que a IA se torna mais presente nas fronteiras digitais, a complexidade de seu uso aumenta, exigindo não apenas uma infraestrutura tecnológica robusta, mas também uma força de trabalho capacitada para lidar com as ferramentas e os desafios éticos que acompanham essa revolução. O recente tratado internacional firmado entre EUA, Reino Unido e União Europeia marca um passo importante no estabelecimento de diretrizes globais para o desenvolvimento e uso da IA. O acordo, citado pelo Financial Times, destaca a necessidade de equilibrar a inovação tecnológica com a proteção dos direitos humanos e valores democráticos, em um cenário onde as fronteiras entre privacidade e segurança se tornam cada vez mais tênues. Essa regulamentação busca assegurar que a IA seja utilizada de forma ética e transparente, prevenindo abusos e garantindo que os avanços tecnológicos sejam benéficos para a sociedade como um todo. Ao criar um marco regulatório global, esses países esperam liderar o caminho para a adoção responsável da IA servindo de referência para outras nações. Além das questões éticas, a cooperação internacional será crucial para garantir o sucesso da IA nas aduanas e no comércio global. A integração de tecnologias entre diferentes países demanda uma colaboração estreita, tanto no compartilhamento de dados quanto na criação de normas comuns que possam ser aplicadas globalmente. Isso não só aumentará a eficácia das operações aduaneiras, mas também promoverá a segurança global, uma vez que as ameaças no comércio internacional, como o contrabando e a evasão fiscal, são de natureza transnacional. Portanto, a adoção irreversível da IA requer um esforço coordenado para construir um ambiente regulatório que seja ao mesmo tempo inovador e seguro, protegendo o comércio global e as liberdades individuais. Novas Competências para os Despachantes Aduaneiros A chegada da OSINT também exige que os despachantes aduaneiros desenvolvam novas competências para atender às demandas desse novo cenário. O papel do despachante tradicional, focado na documentação e no processo físico, está mudando. Agora, os despachantes precisam ter: 1. Habilidades digitais: Familiaridade com ferramentas de OSINT e plataformas de big data será fundamental. 2. Cibersegurança: Conhecimento sobre proteção de dados e privacidade será essencial, dado o volume de informações digitais envolvidas. 3. Análise de dados: Capacidade de interpretar e analisar grandes volumes de dados em tempo real para prever e mitigar riscos comerciais será uma habilidade muito valorizada. 4. Colaboração internacional: O despachante deve atuar em redes globais, compreendendo as regulamentações de diversos países e colaborando com entidades internacionais para garantir a conformidade. Além dessas competências, outra habilidade emergente será a gestão de tecnologias de automação, já que a digitalização das aduanas impulsionará o uso de sistemas automatizados para processamento de documentos e análise de transações. Os despachantes aduaneiros terão que lidar com plataformas integradas que usam Inteligência Artificial para agilizar processos, o que reduzirá o tempo de resposta e aumentará a eficiência. Com isso, o papel do despachante será cada vez mais estratégico, demandando uma capacidade de tomar decisões rápidas e baseadas em dados precisos, em vez de apenas executar tarefas operacionais repetitivas. A adaptabilidade e a aprendizagem contínua também se destacam como competências essenciais. O cenário tecnológico está em constante evolução, e os despachantes terão que acompanhar as inovações que surgirem, participando de tr einamentos regulares para se manterem atualizados. A habilidade de aprender novas ferramentas tecnológicas rapidamente será um diferencial competitivo no mercado de trabalho. Isso coloca uma pressão adicional nas entidades educacionais e nas associações profissionais, que precisarão oferecer uma gama diversificada de treinamentos e certificações focadas no futuro digital do comércio global. Nesse cenário de profundas transformações, destaca-se o investimento estratégico de entidades representativas dos despachantes aduaneiros no Brasil, como o SINDASP. Não apenas se antecipam às demandas do setor, mas alocam recursos significativos no desenvolvimento de iniciativas acadêmicas para capacitar tanto seus associados quanto outros profissionais do setor privado. Um exemplo claro é o Educomex.org, que oferece qualificações em áreas de ponta, como IA, JASON, os padrões da OMA e o AFC, preparando profissionais para enfrentar os desafios da era digital e promover a colaboração participativa. Esses investimentos, somados ao suporte de organizações como o SINDASP, serão cruciais para transformar os despachantes aduaneiros em protagonistas da adaptação empresarial às novas exigências do comércio global. Questões Éticas: O Dilema da Transparência Essa revolução traz consigo um desafio moral inevitável: até onde a coleta de dados pode ir sem comprometer a privacidade? A ética na aplicação da OSINT deve ser cuidadosamente considerada. O estudo da OMA não deixa dúvidas de que a utilização responsável de dados públicos é crucial para garantir que os direitos individuais sejam respeitados. Empresas e governos devem encontrar um equilíbrio que per mita a segurança sem violar a privacidade. A construção desse equilíbrio ético envolve não apenas regulamentações claras, mas também transparência na forma como os dados são coletados e utilizados. Os mecanismos de prestação de contas devem ser reforçados, assegurando que as aduanas e outras instituições não abusem do poder que essas novas ferramentas conferem. Além disso, a anonimização de dados e a implementação de políticas rigorosas de cibersegurança podem ajudar a mitigar riscos associados ao uso indevido de informações pessoais. No entanto, é crucial que essas medidas sejam constantemente revisadas e atualizadas para acompanhar as rápidas mudanças tecnológicas e a evolução das ameaças cibernéticas. O sucesso dessa revolução nas aduanas dependerá também de um monitoramento contínuo e de uma avaliação eficaz das soluções implementadas. A definição de indicadores-chave de desempenho (KPIs) será essencial para medir o impacto das ferramentas de OSINT e IA, garantindo que elas entreguem os resultados esperados sem comprometer a ética e a privacidade. Contudo, adaptar essas métricas às diferentes realidades regionais e culturais pode ser um desafio, exigindo flexibilidade na análise de dados e controle de qualidade. As organizações terão que trabalhar de forma colaborativa para ajustar suas abordagens às necessidades específicas de cada país, enquanto mantêm um foco global na segurança e na proteção dos direitos individuais. Conclusão: O Futuro Está Lançado Estamos diante de um caminho sem volta. A OSINT já está mudando a forma como as aduanas e as empresas operam, e essa transformação só vai se aprofundar. A expressão aduana além da aduana encapsula esse novo paradigma, em que o controle vai além do físico, além do visível. Agora está presente em cada byte de dados, em cada transação. E para aqueles que souberem navegar neste novo mar de informações, as possibilidades são infinitas. Certamente, este será um dos temas centrais durante a Conferência de Tecnologia da OMA, que acontecerá no Brasil em novembro, abordando não apenas a IA, mas também outros temas essenciais para o comércio exterior. A implementação de tecnologias avançadas como a OSINT e a IA será essencial para moldar o futuro das operações aduaneiras, aumentando a eficiência, a segurança e a colaboração internacional. As transformações tecnológicas e suas implicações éticas estarão no centro das discussões, levando as aduanas a um novo patamar no cenário global. Dessa forma, a Revolução Silenciosa nas Aduanas está em andamento, mas sua implementação plena requer uma abordagem cuidadosa que envolva desde investimentos em infraestrutura tecnológica até o desenvolvimento de novas competências para os profissionais do setor. Embora os desafios sejam significativos, as oportunidades oferecidas pela OSINT e pela IA para transformar as aduanas globais são imensas, e aqueles que conseguirem navegar nesse novo mar de dados estarão mais bem posicionados para enfrentar os desafios do comércio internacional.

Bibliografia: 1. Organização Mundial de Aduanas (OMA), Estudo sobre OSINT e sua aplicação na vigilância aduaneira. Web https://www.wcoomd.org/- /media/wco/public/global/pdf/topics/enforcement-and-compliance/activitiesand-programmes/security-programme/osint-report_final.pdf?db=web 2. Financial Times, “US, Britain and Brussels to sign agreement on AI standards”, 5 de setembro de 2024. Web https://www.ft.com/content/4052e7fe-7b8a-4c42- baa2-b608ba858df5

A Transformação das Aduanas Globais: a Tecnologia como Pilar da Sustentabilidade, Inclusão e Modernização

Por Nelson Brens, Presidente da ASAPRA – Asociación
Internacional de Agentes Profesionales de Aduanas

No cenário contemporâneo do comércio internacional, os despachantes aduaneiros desempenham um papel fundamental na facilitação do fluxo seguro e eficiente de mercadorias através das fronteiras. Esses profissionais asseguram a conformidade regulatória, garantindo que o comércio global funcione de maneira organizada e previsível. À medida que o comércio internacional se torna cada vez mais digital e interconectado, surge a necessidade premente de modernizar as operações aduaneiras, e a tecnologia emerge como o principal motor dessa transformação.

Como Presidente da ASAPRA (Asociación Internacional de Agentes Profesionales de Aduanas), tenho observado de perto como as administrações aduaneiras ao redor do mundo estão se adaptando, com diferentes níveis de êxito, às novas realidades tecnológicas que marcam o século XXI. Estamos vivendo uma era em que a tecnologia não é apenas uma ferramenta, mas uma força motriz que redefine a eficiência, a transparência e a sustentabilidade das operações aduaneiras.

Os despachantes aduaneiros, reconhecidos pelo Acordo sobre Facilitação do Comércio (AFC) da Organização Mundial do Comércio (OMC), não são apenas intermediários no comércio, mas também agentes de mudança que podem influenciar e acelerar a adoção de inovações tecnológicas. Para que as aduanas mantenham sua relevância e eficácia no cenário global, é essencial que esses profissionais estejam atentos às novas tendências tecnológicas e prontos para colaborar com as administrações na modernização dos processos aduaneiros.

Big Data e Análise de Dados – O Big Data é uma das tecnologias mais promissoras para transformar as operações aduaneiras. Permite a análise de grandes volumes de dados, otimizando processos críticos como auditorias, fiscalização e previsão de riscos. No entanto, a adoção dessa tecnologia ainda é desigual em todo o mundo. De acordo com o relatório da Organização Mundial das Aduanas (OMA), enquanto 33% das administrações na Ásia/Pacífico e 31% na Europa já implementaram o Big Data, nas Américas e Caribe a taxa de adoção ainda é de apenas 24%.

Essa disparidade na adoção tecnológica é preocupante, especialmente considerando o potencial impacto do Big Data nas operações aduaneiras. Estudos sugerem que o uso efetivo do Big Data pode aumentar a eficiência das auditorias em até 35%, enquanto a capacidade de prever e mitigar riscos pode ser ampliada em 40%. Essas melhorias representam uma transformação fundamental na forma como as aduanas operam, reduzindo ineficiências e aprimorando a conformidade regulatória.

A ASAPRA monitora ativamente os avanços na adoção do Big Data por parte das administrações aduaneiras e incentiva o diálogo contínuo sobre como essa tecnologia pode ser mais bem aproveitada. No entanto, a adoção do Big Data não depende apenas da disponibilidade da tecnologia, mas também de uma mudança cultural dentro das administrações aduaneiras. A capacidade de usar dados para tomar decisões informadas e preditivas exige uma mentalidade aberta à inovação e adaptação, um desafio que ainda persiste em muitas regiões, especialmente nas Américas e Caribe.

Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina – Enquanto o Big Data permite a coleta e análise de grandes volumes de informação, a Inteligência Artificial (IA) e o Aprendizado de Máquina (ML) oferecem a possibilidade de automatizar processos e fornecer previsões baseadas em padrões complexos de dados. Essas tecnologias têm o potencial de revolucionar as operações aduaneiras, desde a automação de processos rotineiros até a análise preditiva que pode antecipar riscos e fraudes com precisão sem precedentes.

Apesar de seu potencial, a adoção de IA e ML nas aduanas ainda é limitada. A região do Leste e Sul da África (ESA) lidera a adoção de IA, com 29% das administrações já integrando essas tecnologias, seguida pela Europa (28%) e Ásia/Pacífico (29%). Em contraste, apenas 19% das administrações nas Américas e Caribe implementaram IA, refletindo desafios significativos na integração de sistemas legados com novas tecnologias.

A baixa adoção de IA nas Américas e Caribe não é apenas um problema tecnológico, mas também uma questão de competitividade global. Em um mundo cada vez mais automatizado, as administrações que não adotarem rapidamente a IA correm o risco de se tornarem irrelevantes. Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que a implementação de IA nas aduanas pode aumentar a precisão das operações em até 45%, além de reduzir o tempo de processamento de mercadorias em até 30%.

A ASAPRA acompanha de perto a implementação dessas tecnologias em diversas regiões, promovendo o intercâmbio de melhores práticas e incentivando as administrações a explorarem as possibilidades oferecidas pela IA e ML. Contudo, é evidente que os desafios de infraestrutura e treinamento de pessoal precisam ser superados para que essas tecnologias possam ser plenamente integradas nas operações aduaneiras.

Blockchain – O Blockchain é frequentemente mencionado como uma solução para os problemas de transparência e segurança nas cadeias de suprimentos. A tecnologia permite a criação de registros imutáveis que garantem a rastreabilidade das mercadorias desde a origem até o destino, proporcionando maior confiança no processo aduaneiro e reduzindo o risco de contrabando.

No entanto, a adoção global do Blockchain ainda é lenta. Embora 24% das administrações nas Américas e Caribe tenham implementado Blockchain, outras regiões, como Ásia/Pacífico e Europa, apresentam taxas de adoção de 18% e 17%, respectivamente. Apesar das claras vantagens, como a redução de até 25% nas atividades de contrabando e o aumento de 30% na transparência das operações, muitos desafios persistem.

A implementação do Blockchain nas aduanas enfrenta obstáculos consideráveis, incluindo a falta de padrões internacionais harmonizados e a necessidade de investimentos substanciais em infraestrutura. A ASAPRA observa essas tendências e incentiva discussões sobre como superar as barreiras para a adoção do Blockchain, reconhecendo que o avanço dessa tecnologia depende de uma coordenação global mais ampla e de esforços conjuntos para estabelecer diretrizes que possam ser aplicadas de maneira consistente em diferentes regiões.

Portais Únicos e a Necessidade de Colaboração Tecnológica – O Portal Único é um exemplo de como a tecnologia pode simplificar e acelerar os processos aduaneiros, centralizando todas as informações e documentos necessários para a liberação de mercadorias em um único ponto de entrada. Isso resulta em uma redução de 25% nos tempos de processamento e de 20% nos custos administrativos. Países como Brasil e México que implementaram o Portal Único relataram aumentos significativos na eficiência e transparência das operações.

Apesar do sucesso em alguns países, a implementação do Portal Único ainda enfrenta desafios significativos em regiões com infraestrutura digital limitada. A ASAPRA monitora essas implementações e promove o intercâmbio de melhores práticas entre as administrações aduaneiras, incentivando uma colaboração regional que possa superar os obstáculos à adoção dessa tecnologia.

A efetividade do Portal Único depende da integração eficiente com outras agências governamentais e do apoio técnico para garantir que todas as partes envolvidas possam operar de maneira harmoniosa dentro do sistema. Sem uma cooperação internacional mais sólida e um suporte técnico adequado, muitas dessas iniciativas correm o risco de não alcançar todo o seu potencial.

Sustentabilidade e Inclusão: A Tecnologia como Ferramenta de Transformação – A transição para Aduanas Verdes e a inclusão de mulheres e jovens no setor aduaneiro são objetivos fundamentais para a construção de um futuro mais sustentável e inclusivo. A adoção de tecnologias avançadas desempenha um papel vital na realização desses objetivos.

O uso de Big Data e Blockchain pode garantir a conformidade ambiental ao longo de toda a cadeia de suprimentos, monitorando o impacto ambiental das operações e assegurando que as práticas comerciais respeitem os padrões ecológicos. Segundo a OCDE, a implementação dessas tecnologias pode reduzir as emissões de carbono nas operações aduaneiras em até 20%.

Desafios e Oportunidades Futuras – A modernização das aduanas por meio da tecnologia oferece imensas oportunidades, mas enfrenta desafios consideráveis. A resistência à mudança, a falta de infraestrutura tecnológica e questões de soberania são obstáculos significativos que devem ser superados para que as administrações aduaneiras possam aproveitar plenamente as inovações tecnológicas.

Esses desafios, embora expressivos, não são intransponíveis. As administrações aduaneiras que adotarem uma abordagem proativa em relação à modernização tecnológica, trabalhando em parceria com o setor privado e organismos internacionais, têm uma oportunidade única de se posicionarem como líderes no comércio global.

Reflexões Finais – Estamos em um momento decisivo. A tecnologia tem o poder de transformar as aduanas em instituições mais eficientes, transparentes e justas. No entanto, para que isso ocorra, é necessário um compromisso coletivo com a inovação, tanto por parte das administrações aduaneiras quanto dos líderes globais. A ASAPRA permanece atenta a essas mudanças e monitora ativamente os avanços tecnológicos, reconhecendo seu impacto potencial nas operações aduaneiras e no comércio internacional.

 

Bibliografia

 

  1. Organização Mundial de Aduanas. “Results of the WCO Smart Customs Survey,” julho de 2024.
  2. Organização Mundial do Comércio (OMC). “Trade Facilitation Agreement,” 2020.
  3. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Digitalisation in Customs and Trade Facilitation,” 2023.
  4. Banco Mundial. “Single Window Systems: What Lessons Can We Learn?” 2022.
  5. Fórum Econômico Mundial. “The Future of Customs in the Digital Economy,” 2023.
  6. McKinsey & Company. “Global Supply Chains: How Disruptive Technologies are Changing Trade,” 2022.
  7. Deloitte. “Customs and Global Trade 2030: The Impact of Technology and Data on Customs Compliance,” 2023.
  8. Harvard Business Review. “Ethical Implications of AI and Big Data in Business and Government Operations,” 2023.
  9. UNCTAD. “Digitalization in Customs and Trade Facilitation: The Role of Single Windows,” 2023.
  10. Organização Mundial das Aduanas. “Advancing Gender Equality in Customs: Strategies and Best Practices,” 2022.
  11. OCDE. “Empowering Youth in Trade and Customs through Technology,” 2023.

A Revolução Digital nas Aduanas e o papel da OMA

Por Marcelo de Castro*

Em novembro de 2024, o Brasil terá a honra de sediar a Conferência de Tecnologia da Organização Mundial das Aduanas (OMA), um evento de suma importância para o comércio internacional. Com as inscrições abertas, o evento será realizado no Riocentro, na cidade do Rio de Janeiro, e reunirá líderes e especialistas de mais de 180 países membros da OMA para debater inovações tecnológicas e suas aplicações no campo aduaneiro. Este artigo pretende delinear as principais tendências previstas para a edição de 2024, baseando-se em análises de eventos anteriores e nas necessidades contemporâneas das administrações aduaneiras globais.

Convidamos à reflexão sobre a transformação digital continua, que será um tema central nessa Conferência de Tecnologia da OMA. No evento de 2023, realizado em Hanói, Vietnã, abordaram-se questões como análise de dados, aprendizado de máquina e inteligência artificial. Para 2024, espera-se um aprofundamento dessas discussões, destacando como a tecnologia está reformulando os processos aduaneiros, promovendo maior eficiência e precisão. Especial foco será dado aos departamentos de Inovação e Gestão de Mudança, com enfoque particular na aplicação de IA para otimizar os processos.

As soluções de blockchain, reconhecidas por incrementar a transparência e a eficiência nas operações, provavelmente serão novamente destacadas. Espera-se a apresentação de novos casos de uso e avanços tecnológicos, como a rastreabilidade de mercadorias e autenticação de documentos, consolidando o papel do blockchain na modernização aduaneira. Essa tecnologia deverá também ser explorado como uma solução segura para a troca de dados entre as aduanas.

A segurança aduaneira permanece um tópico crucial. A conferência de 2023 sublinhou a importância da cibersegurança e da continuidade dos negócios em um ambiente digital. Em 2024, são esperadas sessões focadas em novas tecnologias de detecção, abordando eficazmente o combate ao tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, descaminho e subfaturamento. A detecção de ilícitos e o combate à pirataria deverão ser temas centrais, com discussões sobre como fortalecer a fiscalização e prevenir fraudes.

A aplicação da inteligência artificial na gestão de riscos será enfatizada, demonstrando como grandes volumes de dados podem ser utilizados para identificar e mitigar ameaças em tempo real. Estudos de caso práticos de diferentes países deverão ser apresentados para ilustrar esses avanços tecnológicos na fiscalização aduaneira.

A facilitação do comércio é um tema de grande relevância. No evento de 2023, discutiu-se como a tecnologia pode simplificar processos aduaneiros e acelerar o fluxo de mercadorias. Para 2024, espera-se uma ênfase particular na sustentabilidade, promovendo um comércio mais eficiente e ambientalmente responsável.

Espera-se que sejam apresentadas soluções tecnológicas que promovam um comércio mais verde e sustentável, demonstrando como a digitalização pode reduzir o impacto ambiental das operações aduaneiras. A promoção de práticas comerciais sustentáveis deverá ser um ponto chave, refletindo a crescente preocupação global com a sustentabilidade.

O uso ético da inteligência artificial será um tema inevitável. Com a crescente implementação de IA nas operações aduaneiras, questões sobre privacidade, transparência e responsabilidade tornam-se mais pertinentes do que nunca. A conferência deverá abordar como governos e autoridades aduaneiras podem assegurar que essas tecnologias sejam utilizadas de maneira ética, protegendo os direitos individuais enquanto promovem eficiência e segurança. Além disso, espera-se que sejam discutidos aspectos de governança e transparência na implementação de novas tecnologias.

A colaboração entre o setor público e privado é essencial para o sucesso da conferência. No evento de 2023, observou-se uma significativa colaboração entre autoridades aduaneiras, provedores de tecnologia e o setor privado. Para 2024, espera-se que essa colaboração se intensifique, com painéis explorando como essas parcerias podem fomentar a inovação e a implementação de novas tecnologias.

Organizações internacionais, universidades e parceiros de desenvolvimento deverão contribuir, trazendo perspectivas variadas e soluções inovadoras para os desafios contemporâneos das administrações aduaneiras. Será destacada a importância da criação de capacidades de modo conjunto em toda a sociedade, promovendo uma abordagem colaborativa para enfrentar os desafios do setor.

Os despachantes aduaneiros, como representantes ativos e propositivos do setor privado, terão participação crucial na conferência. Esses profissionais são essenciais para a facilitação do comércio, garantindo que as mercadorias atravessem fronteiras de maneira eficiente e em conformidade com as regulamentações. Com a crescente digitalização, os despachantes aduaneiros estão cada vez mais inseridos no uso de tecnologias avançadas, como inteligência artificial e blockchain, para otimizar processos e aumentar a segurança nas operações aduaneiras.

A capacitação e o desenvolvimento de profissionais aduaneiros será um tema central. Discussões sobre como as aduanas podem atrair, treinar e reter talentos em um mundo digital serão aprofundadas. Programas de capacitação contínua, como o “Educomex” do SINDASP (Entidade Representante dos Despachantes Aduaneiros em São Paulo), que promovem o desenvolvimento profissional com foco em inovação e tecnologia, são exemplos de iniciativas bem-sucedidas.

O SINDASP, em conjunto com a Feaduaneiros (Federação Nacional dos Despachantes Aduaneiros) e as demais Entidades a ela associadas, tem fortalecido a presença da categoria em eventos de grande envergadura desde 2022. A organização tem se comprometido com a valorização do despachante aduaneiro. Estava incumbido da coordenação, junto à Feaduaneiros, da realização do I Congresso Internacional de Despachantes Aduaneiros e da 55ª Assembleia Geral Anual da ASAPRA (Associação Internacional de Agentes Profissionais de Aduana). Esses eventos estavam inicialmente previstos para outubro de 2024 na cidade de São Paulo.

Visando otimizar a agenda e aproveitando a excelente oportunidade de participação conjunta na Conferência de Tecnologia da OMA, o SINDASP recomendou à Feaduaneiros e à ASAPRA a migração desses eventos para novembro, no Rio de Janeiro. Essa recomendação foi acatada; no entanto, as presidências da ASAPRA e da Feaduaneiros decidiram avançar exclusivamente com a Assembleia, ajustando a agenda do Congresso para melhor alinhar com o evento promovido pela OMA em parceria com a Receita Federal.

A participação do SINDASP neste fórum de tecnologia alinha-se com diversas iniciativas público-privadas das quais tem participado pela Facilitação do Comércio. O sucesso das operações aduaneiras depende de uma integração abrangente dos despachantes aduaneiros com as ferramentas tecnológicas e melhores práticas aduaneiras. Esta ação está em consonância com a agenda do 4º Foro Conjunto, ocorrido em maio deste ano na Jamaica, onde representantes do SINDASP participaram ao lado de autoridades aduaneiras, reforçando o compromisso da entidade com a modernização e eficiência das práticas aduaneiras.

Finalmente, a Conferência de Tecnologia da OMA 2024 tem grande potencial para ser um marco significativo para o comércio internacional, especialmente no que tange à inovação, segurança e sustentabilidade. Para o seu sucesso, a participação ativa do setor privado, com destaque para os despachantes aduaneiros, integrados com maior amplitude com os entes públicos, será fundamental. A expectativa é que esta colaboração reforce a importância da união de esforços para enfrentar os desafios contemporâneos do setor aduaneiro. Com a realização concomitante da Assembleia Geral da ASAPRA, o evento se configura como uma valiosa oportunidade de integração e aprendizado, propiciando um ambiente favorável para o desenvolvimento de soluções inovadoras e sustentáveis.

A realização do evento no Brasil valoriza a posição estratégica do país no cenário global, destacando sua capacidade de liderança e inovação no comércio internacional. Além disso, é importante reconhecer a qualidade da aduana brasileira, a Receita Federal, em matéria de iniciativas de tecnologia, o que reforça ainda mais a importância deste evento para o País.

*Marcelo de Castro é Despachante Aduaneiro e Economista Especialista em Comércio Internacional, Diretor do SINDASP (Entidade dos Despachantes Aduaneiros de SP) e Coordenador do Marketing Institucional da ASAPRA (Asociación internacional de Agentes Profesionales de Aduana)

O Caos no Terminal de Cargas em Guarulhos fará o mercado e as autoridades olharem para os Portos Secos?

Por Ricardo Drago – Presidente do Grupo AGESBEC

Uma cena, registrada na semana passada, na imagem abaixo, ligou um alerta para quem trabalha há muito tempo com o comércio exterior. O momento, com as cargas no pátio de aeronaves, remete ao boom de importação que ocorreu por volta do ano de 1994, no Brasil. A abertura comercial promovida no País nos idos de 1990, proporcionou um crescimento econômico, estimulando o comércio internacional e facilitando o ingresso de mercadorias estrangeiras em nosso mercado e em insumos.

Naquele período, com o crescimento desenfreado das importações brasileiras, as cargas ocupavam os espaços destinados ao estacionamento dos aviões, nos pátios dos aeroportos. Caixas eram perdidas nesses locais.  Intempéries se incumbiam de acabar com o que sobrava. Os aeroportos, administrados pela Infraero naquele longínquo tempo, não conseguiam atender à demanda e construir armazéns para abrigar a carga excedente, por conta da falta de agilidade necessária, que esbarrava no engessamento das licitações enquanto empresa pública.

O cenário identificado, nesta semana, no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos (foto), fez lembrar os anos 90.

Um Informativo do SINDASP – Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de São Paulo – que leva o nome Última Hora, trouxe 11 irregularidades em gargalos naquele Terminal Aéreo. A Entidade que representa essa importante categoria também divulgou em suas mídias sociais este fato, que transcrevemos aqui um trecho, haja vista que o documento é público:

  • Ausência de atracação das mercadorias;
  • Utilização da área de conferência para armazenamento irregular de carga, dificultando e atrasando a conferência física;
  • Puxe de carga realizada pelo fiscal, sem disponibilização para conferência física;
  • Puxe de carga realizado pelo MAPA para inspeção da madeira, sem disponibilidade da carga;
  • Ausência de respostas aos e-mails enviados para CCO e CAC;
  • Ausência de atendimento na linha telefônica: (11)2445-5000;
  • Ausência de disponibilização da carga puxada para coleta. A título de exemplo, uma carga do dia 10/11/2023 ainda não foi coletada;
  • Fechamento de janelas para agendamento de coleta para transportadoras;
  • Ausência de manutenção do sistema, sem previsão de retorno;
  • Ausência de organização, gerando imensas filas de veículos aguardando a coleta de carga, sem previsão para tanto;
  • Atração incompletas de carga sem justificativas fundamentadas ou, ainda, previsão de solução;

A AGESBEC, em uma ação espontânea e em nome do mercado, se uniu a essas frentes e apoia também um documento do SETCESP – Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região, pedindo imediatas ações junto a GRU AIRPORT pela ausência de estrutura e profissionais, o que é inaceitável em épocas de fim de ano.

Carga GRU

Infelizmente são em momentos como este que podemos observar o quanto ainda estamos atrasados na descentralização de cargas no Estado de São Paulo. Enquanto a estrutura do Aeroporto de Guarulhos está em colapso logístico, os Recintos de Zona Secundária de São Paulo, como o Porto Seco AGESBEC – Armazéns Gerais São Bernardo do Campo, estão com ociosidade.

Os Portos Secos sempre estiveram prontos e com infraestrutura e atrativos diversos para receber as cargas na importação e exportação, senão vejamos alguns pontos, como:

  • Espaço e Infraestrutura disponíveis
  • Gerenciar a logística aduaneira – receber mercadoria, montagem, etiquetagem, separação, picking, armazenagem e distribuição;
  • Benefícios Fiscais em Regimes Aduaneiros Especiais
  • Agilidade do desembaraço aduaneiro;
  • Menor volume de carga;
  • Redução dos custos com armazenagem;
  • Redução dos custos com transporte;

Espero sinceramente que o mercado e as autoridades passem a enxergar os Portos Secos com outros olhos. Com olhar de oportunidades de quem sempre esteve pronto para atender. Se não for no amor, que seja na dor.

Ricardo Drago é Presidente do Grupo AGESBEC

Artigo publicado primeiramente pelo Portal Tecnologística

 

O Futuro do Mercosul

Artigo – Por Lucas Ferraz – Secretário de Negócios
Internacionais do Estado de São Paulo

 

Com a iminente eleição presidencial na Argentina, volta à tona a discussão sobre o futuro do Mercosul. De um lado, temos o candidato incumbente, Sergio Massa, que defende o modelo atual do bloco. De outro, o candidato da oposição Javier Milei, crítico da falta de dinamismo do Mercosul e defensor de mudanças estruturais. Qual destas visões estaria mais aderente aos fatos?

Criado em 1991, por meio do Tratado de Assunção, o bloco comercial constituído por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai tinha a ambiciosa meta de, em apenas 4 anos, tornar-se um Mercado Comum. Mais do que uma simples área de livre-comércio, um mercado comum pressupunha, para além da não incidência dos impostos de importação sobre o comércio entre os sócios, a eliminação das barreiras não-tarifárias, a extinção do regime de regras de origem, a criação de uma tarifa externa comum e a livre mobilidade de fatores de produção, para não falar do alinhamento de políticas comerciais, macroeconômicas e setoriais. Um bom exemplo de mercado comum no mundo atual, ou melhor, o único exemplo que temos, é a União Europeia que, indo mais além, criou uma moeda única em 1999 e se tornou uma União Monetária.

Não demorou muito, porém, para ficar claro o nível de irrealismo contido no Tratado de Assunção. Afinal, desde 1994 aos dias atuais, pouca coisa mudou na estrutura interna do Mercosul: somos um misto de área de livre comércio imperfeita, protegida por uma tarifa externa comum (TEC) repleta de exceções, mas com uma média tarifária entre as mais altas do mundo, confortável o bastante para neutralizarmos parcela significativa da concorrência internacional. Decidimos batizar este arranjo comercial de “União Aduaneira”, ainda que, na prática, esta “união” inexista, dados os vários “furos” da TEC. Além disso, típicas de áreas de livre comércio, decidimos manter o nosso regime de regras de origem, conservadoras e incompatíveis com um mundo fragmentando em cadeias globais de valor. Neutralizamos, assim, uma das principais vantagens de uma União Aduaneira vis à vis uma simples Área de livre comércio: a possibilidade da livre circulação de bens importados entre os sócios, sem burocracia, pagando o mesmo imposto de importação na borda, independente do país membro importador. Como se não bastasse, mesmo estando longe do modelo de um mercado comum, decidimos que as negociações de acordos internacionais, fora do âmbito da Aladi, deveriam ser feitas em bloco, ou seja, de forma consensual entre os 4 sócios.

Criado com tantas distorções internas que perduram até os dias atuais, será que este arranjo comercial tinha mesmo alguma chance de entregar resultados concretos e servir como plataforma de inserção internacional para os países sócios? Façamos uma breve retrospectiva, sob o ponto de vista da sua maior economia. Em 1991, pouco antes da assinatura do Tratado de Assunção, o Mercosul representava cerca de 8% das trocas comerciais do Brasil com o mundo. Ao final da mesma década, com a eliminação de parcela significativa das barreiras tarifárias entre os sócios, a representatividade do Mercosul chegou a atingir mais de 16% do comércio exterior Brasileiro. Contudo, nos anos mais recentes, o Mercosul não chega a representar nem 7% das trocas comerciais do Brasil, ou seja, representa, hoje, menos do que representava antes da própria formação do bloco. Por outro ângulo, se em 1991 as exportações do Brasil correspondiam a cerca de 1,3% do comércio mundial, esta fatia pouco se alterou nos dias atuais, comprovando o fracasso do Mercosul em alavancar o comércio exterior do país.

No que tange aos acordos comerciais, enquanto que desde 1991 foram registrados mais de 300 novos acordos no âmbito da OMC, não seria exagero dizer que, até o momento – e de forma quase que paradoxal – o acordo mais importante negociado pelos países do Mercosul foi o próprio Mercosul, com a assinatura do Tratado de Assunção. O resultado disso é que, enquanto o Brasil exporta seus produtos mundo afora, com tarifas suspensas para apenas cerca de 13% do valor total exportado, seus competidores, mais integrados à economia global, exportam com preferenciais tarifárias em até 70% do valor total vendido para o mundo.

Diante de resultados tão frustrantes, parece mais do que razoável a constatação de que o Mercosul precisa urgentemente de reformas. O discurso de simplesmente acabar com o bloco é tão ligeiro quanto equivocado, como também é equivocada a visão de que processos de integração comercial podem ser concretizados, com sucesso, de costas para o mundo.

Um grande passo para um Mercosul mais dinâmico passa, sem dúvida, por uma séria discussão sobre como flexibilizar seu modelo negociador. Com uma TEC repleta de exceções (algumas estimativas falam em mais de 40% do seu universo tarifário), qual o sentido de nos obrigarmos a negociações em bloco? Em outras palavras, a possibilidade de negociações bilaterais com países de fora do âmbito da Aladi retiraria uma das principais “amarras” do Mercosul, onde tudo se resolve e se negocia em bases consensuais, ignorando as distintas estruturas produtivas e os ciclos políticos dos países sócios. O resultado deste modelo, como já visto, foi a paralisia e a transformação do bloco em uma grande reserva de mercado. Afinal, aos nossos olhos e aos olhos do mundo, como justificar que nos engajamos em negociações comerciais com a União Europeia que já levam mais de 25 anos sem serem concluídas? Como explicar que, nesta mesma negociação, cuja parte comercial foi finalmente concluída em 2019, tenhamos resolvido, este ano, reabrir capítulos que já estavam negociados, sem qualquer critério minimamente racional ou senso de pragmatismo?

Levada a ideia da flexibilidade negociadora adiante, com ou sem a bilateralidade estrita, claro está que estaria decretado o fim da TEC, a qual, na verdade, nunca existiu em sentido pleno, mas apenas em nosso imaginário coletivo. O corolário imediato é que voltaríamos para onde nunca deveríamos ter saído: um Mercosul como uma simples área de livre-comércio, tal qual 96% dos arranjos comerciais existentes no mundo atual.

A realidade é algo que, cedo ou tarde, sempre se impõe. Com a palavra, o Uruguai.

Lucas Ferraz – Secretário de Negócios Internacionais
do Estado de São Paulo, via mídias sociais